Festa de Nossa Senhora do Rosário
A Festa de Nossa Senhora do Rosário celebra a vitória dos cristãos na Batalha de Lepanto, durante a qual as forças do Islão foram derrotadas sob a proteção da Virgem do Rosário, acontecimento que motivou uma comemoração especial pela liturgia da Igreja por determinação do Papa Gregório XII.
Desde o início da colonização brasileira, a Igreja Católica ensinou que os festejos religiosos deveriam ter a novena, a missa cantada, a benção do Santíssimo, o Te Deum – cerimônia de ação de graças – e a procissão. Esta determinação valia para qualquer tipo de irmandade ou confraria de qualquer que fosse a classe social. O missal vinha do Vaticano com as orações, ofícios e regras de como realizar o ritual.
Na Colônia, os administradores portugueses definiram que os negros, alforriados ou não, deveriam se organizar em Irmandades ou Confrarias enquanto grupos sociais. A Igreja Católica, por sua vez, definiu que a devoção desses grupos deveria ser a Nossa Senhora do Rosário. Desde suas origens, na África, os negros já a conheciam. Outros vieram a conhecê-la aqui, através da catequização. Em Minas Gerais, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos foi fundada no início do século 18, com a finalidade de atender as necessidades sociais, religiosas, jurídicas e de saúde dos negros. Assim, sabe-se que, desde 1717, os negros se organizaram em Irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Negros, com estatutos registrados, para receberem a prestação de serviços oferecidos por elas. Para uma Irmandade se auto-sustentar, os irmãos negros deveriam pagar uma taxa mensal como a de qualquer outra irmandade de brancos ricos, brancos pobres ou mulatos.
Em Ouro Preto, têm-se notícias de que Chico Rei financiou a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário com grandes ofertas. Mas, para participarem da Irmandade, todos os negros tinham de pagar uma espórtula. A primeira taxa era paga em ouro em pó todo dia 1º de Janeiro, quando tomavam posse na Irmandade. Geralmente, os irmãos do Rosário e os iniciantes se reuniam em frente à casa de Chico Rei, de onde saía o cortejo em direção à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Negros de Antônio Dias. Eles subiam a ladeira de Santa Ifigênia até à Igreja levando o precioso metal espalhado em suas respectivas carapinhas (cabelos crespos) e dançando a dança das taieiras. Depois, entravam no templo e lavavam a cabeça, deixando o ouro para Nossa Senhora do Rosário nas pias de água benta.
Não é de admirar que os senhores doassem a seus escravos o valor correspondente à espórtula em ouro em pó. Na verdade, os senhores faziam até questão de levar seus escravos a se ingressarem na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, pois, lá, eles seriam controlados pelos severos estatutos, logo, não aquilombariam, não roubariam, não criariam tumultos na senzala, não brigariam entre tribos e nem criariam confusões nos seus dias de folga. Vale lembrar que o negro era um bem relativamente caro. Além do imposto per capita pago pelo senhor, este ainda arcava com os alimentos, roupas e remédios. Os negros, sobretudo os da mineração, sofriam severos acidentes e muitos deles ficavam inválidos, representando pesados encargos para seu senhor. Era na irmandade que eles recebiam assistência social em casos de doenças e acidentes graves que os impediam de continuar trabalhando na mineração. Conseqüentemente, era comum o senhor entregar o escravo aleijado ou doente à Irmandade para que ela lhe desse a devida assistência. Portanto, era na Irmandade que os negros eram assistidos e, sempre que conveniente, abandonados pelos senhores.
Os jesuítas escolheram a devoção a Nossa Senhora do Rosário para os negros porque a iconografia da Virgem com o rosário nas mãos lhes lembrava a deusa Afã ou Ifã, cujo sacerdote responsável utilizava as sementes de uma palmeira para jogá-las como búzios para ficar sabendo do futuro dos devotos. A imagem de Menino Jesus que a Nossa Senhora carrega tem significado especial, pois os negros, desde então, valorizavam a procriação e a maternidade. Logo, não foi difícil convencê-los a seguir a devoção a Nossa Senhora do Rosário. Este é o verdadeiro porquê da Igreja Católica ter definido ser a devoção a Nossa Senhora do Rosário a ideal para os negros, dentre as inúmeras devoções e iconografias de Nossa Senhora.
As Guardas de Moçambique ou as Guardas de Catopés de Minas Gerais contam uma bela história sobre a chegada da imagem de Nossa Senhora do Rosário ao Brasil. Ela teria ficado agarrada em um banco de areia, após o naufrágio de um navio que a transportava para uma capela de negros no litoral nordestino. Os padres, ansiosos à beira da praia, pediram aos marinheiros que fossem buscá-la. Dispostos, eles foram até o local, mas não conseguiram retirá-la devido ao peso e à profundidade em que se encontrava. Os padres, então, recorreram aos caboclos e aos índios – exímios nadadores e conhecedores do mar tropical – que ali estavam a recolher parte da carga do navio que era jogada na praia pelas ondas. Esses sim, com dificuldade, conseguiram trazê-la e colocá-la na capela que havia sido construída em sua homenagem.
Mas, para a surpresa de todos, no dia seguinte, a imagem reapareceu no mesmo banco de areia. Quando os padres olharam para um canto da praia e viram os negros assentados humildemente a contemplar a cena, e sem o poder de opinarem sobre o fato, é que se deram conta de que haviam encomendado a imagem para a devoção deles. Logo, perceberam também que a eles caberia o direito de retirar a imagem do banco de areia e transportá-la para a capela. Os negros, então, levantaram-se, rezaram, cantaram e bateram seus tambores. Depois, pediram licença às águas, entraram no mar e, com todo o respeito, tiraram a imagem com a maior facilidade, sem ao menos sentir o peso. Enfim, levaram-na para a capela, de onde nunca mais teria saído.
Restam, portanto, várias interrogações cujas respostas ainda carecem de pesquisas mais aprofundadas em documentos históricos das diversas Irmandades de Nossa Senhora do Rosário de Minas Gerais. As pesquisas realizadas não são suficientes. Ainda há muito a saber. Já que procediam de diferentes regiões do continente, resta saber se os negros de todas as tribos que vieram da África para o Brasil já conheciam Nossa Senhora do Rosário e os outros santos de sua devoção como São Benedito, Santo Elesbão e Santa Ifigênia.
fonte: http://www.descubraminas.com.br/Cultura/Pagina.aspx?cod_pgi=1751
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